Vivência agroecológica - Calfitice

     Com nome de origem na língua espanhola, esta técnica de acabamento bastante difundida entre os agroecólocos / permacultores e conhecida como calfitice (junção das sílabas iniciais dos nomes dos materiais que compõem a técnica), possui uma versatilidade incrível na sua aplicação, podendo ser usada dentro e fora de edificações.
     Cal + Fibras + Tierra + Cemento = Calfitice. Trata-se de uma argamassa preparada com 7 partes de terra, 1 de cimento, 1 de cal, fibras e água. A terra confere o volume principal da argamassa, além de trazer a textura e as cores da natureza para a técnica, garante que a maior parte da massa seja executada de forma a causar o menor impacto ambiental possível na construção e no meio ambiente. Já o cimento, reage com a água e forma os microcristais, agregando a resistência à compressão e as fibras trazem resistência à tração, que é solicitada durante a cura do cimento, evitando a formação de trincas. O papel da cal, é hidratar e retardar a cura rápida do cimento, permitindo que sua aplicação ocorra de maneira homogênea e sem pressa.
     
     Na vivência ocorrida na Estação Borá de Agroecologia, uma das atividades foi dar acabamento nas paredes de alvenaria, que estavam parcialmente executadas, necessitando de reboco e acabamento na junção com as garrafas e com os vidros usados de ônibus que fazem parte do projeto de entrada de luz natural na habitação. 

Parede, garrafas e vidro de ônibus sem acabamento
Foto: Jopa

     O trabalho teve início com o anfitrião Fábio Rocha ensinando como seria preparada e aplicada a massa e a tela de juta (fibras naturais) nas paredes, formando então o acabamento em calfitice. Explicado esta etapa, o grupo foi subdividido em três sub-grupos de trabalho, sendo um para coletar a terra, o outro para preparar a mistura da argamassa, e o terceiro para adicionar água e conferir a consistência pastosa necessária à aplicação da mistura nas paredes.

     O grupo responsável pela coleta da terra, teve que seguir algumas dicas do Fábio, que foram de remover a camada superficial do terreno, pois esta apresenta muitas sementes, raízes e matéria orgânica, que são elementos não homogêneos e contaminantes da massa. Após coletar a argila do barranco, o grupo tinha que peneirá-la, para conferir uma granulometria que facilitasse o trabalho de preparo da mistura e também o de hidratála. 

Preparo da mistura, hidratação e pisoteio 
Foto: Jopa

   O motivo do preparo da massa sobre lonas, é a facilidade que temos para poder pisotear e depois virar a massa, popularmente chamado entre os bio-construtores de "fazer o rocambole".

Foto: Jopa

Verificação de consistência e textura
Foto Jopa

   Após o preparo da massa, as paredes devem ser umedecidas, para evitar que a porosidade da cerâmica do tijolo absorva água da mistura da massa e comprometa o processo de hidratação da cal virgem e da mistura e cura do cimento. Após a umidificação das paredes, deve-se iniciar a aplicação da masa sobre as paredes, deixando uma espessura de aproximadamente 3 cm. Todo o trabalho foi orientado e supervisionado pelos futuros moradores, Fábio e Renata, que gentilmente confiaram no grupo, sob a afirmação de que irão habitar em uma casinha que foi feita de forma colaborativa e participativa, por vários amigos. Nas fotos a seguir é possível ver um quarto grupo de trabalho, medindo a parede para cortar o saco de juta e aplicando a massa sobre a parede já umedecida.

Foto: Jopa

Foto: Jopa

     Após umedecer a parede, e aplicar a massa, a terceira etapa é de aplicar as fibras de juta, que não permitirão o surgimento de fissuras e trincas na superfície rebocada. Trata-se de uma técnica muito semelhante à antiga técnica de reboco conhecida como estuque. A seguir um participante coloca uma faixa de fibras sobre a argamassa.

Foto: Jopa

   Na técnica de calfitice a fibra é aplicada posteriormente à argamassa, ou seja, sobre ela. Porém, a mesma deve ser incorporada à massa, e isto é feito com movimentos manuais pressionando a juta sobre a massa ainda úmida. Observem que foram fornecidas luvas de borrachas pelos moradores da Estação Borá, que orientaram a utilização por duas razões, sendo a primeira a necessidade de usar o EPI - Equipamento de Proteção Individual e a segunda, é que a luva de borracha desliza facilmente sobre a juta, facilitando a execução da técnica. Um ponto importante de utilizar a luva como EPI, é o fato de a cal virgem reagir quimicamente com água, fato que leva ao ressecamento das mãos caso não estejam protegidas.

Foto: Jopa

     A medida que a parede ia sendo preenchida, novas faixas de fibras eram aplicadas e imediatamente conectadas àquelas já executadas. É importante ressaltar, que o trabalho deve iniciar de cima para baixo da parede, para evitar estragar e perder o trabalho realizado. 

Foto: Jopa

Foto: Jopa

     A técnica do calfitice pode ser aplicada sobre os mais diversos tipos de técnicas de bio-construção de paredes, tais como fardo de palha (strawbale), taipa de mão (pau-à-pique ou taipa de sopapo), adobe, superadobe, hiperadobe, paredes convencionais entre outras.
     Outro detalhe interessante, é o acabamento nos locais onde estavam as garrafas de vidro. Sobre elas se você observar atentamente nas fotos anteriores, não foi aplicado a argamassa e nem foi pressionada a tela de fibras. este motivo se dá ao fato, de que a fibra será cortada e modelada ao redor da garrafa, conforme pode ser visto nas imagens a seguir. 

Foto: Jopa

Foto: Jopa

Foto: Jopa

Foto: Jopa

Após secar sobre a garrafa, a massa não permite a passagem de luz para o interior da edificação. Para limpá-la, recomentamos a utilização de alguma lâmina metálica, palha de aço e estopa seca. O resultado é o das imagens a seguir. 

Vista externa
Foto: Jopa

Vista interna
Foto: Jopa

O acabamento final, fica muito próximo da imagem a seguir, mas é importante mostrar também, que o processo construtivo de forma participativa, é um processo de ensino aprendizagem. Na última foto deste post, o acabamento em um dos cantos na junção entre a parede e a janela de vidro de ônibus, não foi aplicada a fibra natural, fato que levou ao surgimento de trincas durante a desidratação e cura da massa. Nesta parte foi necessário a remoção do material e nova execução com aplicação das fibras. Esperamos que tenham gostado.

Foto: Jopa

Foto: Jopa